Lobo Mal - Parte 4

30-12-2010 01:49

 

Pulsando em adrenalina eu me desvencilhei de suas mãos frouxas e me arrastei para longe, levantando-me do colchão e tropeçando até encontrar algo metálico e frio onde me apoiei. Meus olhos ansiosos identificaram os instrumentos utilizados na manutenção da lareira que havia visto mais cedo. Eu puxei o atiçador do suporte onde ele estava pendurado enquanto meu tornozelo latejava. Uma rápida olhada me mostrou o local onde ele havia me mordido. Sobrenaturalmente já estava se curando, eu já podia andar com facilidade embora ainda fosse doer por mais algumas horas. Ignorei este fato me concentrando no ferro frio e pesado de ponta fina e afiado que eu segurava em minha mão latejante pelo golpe enquanto ouvia os rosnados e palavrões que escapavam de seus lábios.

Lucas se pós de pé com uma agilidade inumana, o rosto sombrio e hostil agora só trazia o predador frio e calculista, completamente insensível e desprovido de misericórdia. Seus lábios estavam erguidos em uma carranca feroz, revelando suas presas animalescas.

- Talvez seja outra lição que precise aprender – disse asperamente.

Seus passos eram rápidos, mas minha visão também. Ele avançou contra mim, as mãos prontas para me agarrar pelo pescoço ou cravar suas unhas em meu estomago. Por um triz eu consegui escapar de sua primeira investida, jogando-me para o lado. Mas seu punho acertou minhas costelas fazendo-me vacilar. Eu cerrei os dentes e ergui o atiçador que segurava, brandindo-o no ar e lançando-o contra Lucas. Inacreditavelmente eu acertei seu rosto novamente. O metal colidiu contra o lado esquerdo de sua face, arrastando-se pela carne conforme sua cabeça girava para o lado devido à força do golpe, tracejando uma linha escarlate em sua bochecha. Lucas apoiou um joelho ao chão, os olhos céticos fitando-me furiosamente enquanto sua mão corria ao corte que vertia uma pegajosa linha de sangue em seu rosto belo.

- Como... – ele resmungou indignado com o que sua amada havia lhe feito.

- Eu nunca prometi que não lhe feriria – eu rebati asperamente, erguendo o atiçador como uma espada na direção dele.

- Não, você só prometeu que seria minha – ele disse erguendo-se.

- Digamos que minhas prioridades foram repensadas.

- Não contaria com isto – ele disse secamente.

E com isto nossa curta discussão fora finalizada. Ele avançou sobre mim novamente, um trem descarrilado de pura força. Assustada, dei alguns passos para trás, tropeçando miseravelmente em meus próprios pés e caindo duramente em sua poltrona. Seu corpo colidiu contra mim com tanta violência que jogou-nos no chão. As costas da poltrona colidindo contra o chão, enquanto minha cabeça girava entre dor e pânico e nossos corpos rolavam. Minha mente martelava furiosa atrás de uma saída enquanto meu corpo furioso escapava das mãos restritivas de Lucas, que em cima de mim tentava segurar-me pela garganta e prender meus pulsos novamente. Exasperada eu me debati violentamente, acertando-lhe uma joelhada no estomago e um soco nas costelas. Pude ouvi-lo ofegar e vacilar, mas sem nenhum sinal de desistência.

Ele era mais forte e experiente. Ele era um deus. E isto logo se provou. Prendeu minhas pernas sob seu corpo, imobilizando qualquer chute ou joelhada que eu estivesse planejando dar. Suas mãos fecharam-se ao redor de minha garganta, selando-a. Privando-me do oxigênio que dava energia as minhas rebeldias. Eu arregalei os olhos em pânico enquanto sentia meus pulmões inflarem famintos atrás de ar. Minhas mãos desistiram de afastar seu aperto de ferro contra meu pescoço e tatearam inutilmente o chão ao redor sem esperanças de encontrar um milagre capaz de me libertar, mas incapazes de ficarem paradas e esperar. Então a dura frieza do atiçador, que eu havia escapado de minhas mãos, acariciou as pontas de meus dedos. Eu agarrei o metal debilmente enquanto pontinhos pretos sujavam minha visão e meu corpo sacudia com a primeira convulsão.

Eu firmei o atiçador em minha mão, o posicionando corretamente, pois novamente eu só tinha uma única chance. Cerrando os dentes contra angustia provocada pela falta de ar eu cravei a ponta afiada do atiçador em sua coxa o mais fundo que o péssimo ângulo permitia penetrar.

Lucas urrou em dor, afastando suas mãos de mim como se tivesse levado um choque. Eu inspirei asperamente entre um acesso violento e doloroso de tosse, sentindo o ar arranhar minha garganta enquanto era sugado por meus pulmões desesperados.

Eu joguei novamente a barra de metal contra Lucas, acertando sua cabeça em cheio e fazendo-o cair para o lado entre urros e dor. Desvencilhando-me de suas pernas eu me pus de pé e por pouco não cai de cara no chão quando sua mão agarrou meu tornozelo. Neste ponto minha racionalidade já havia se esfarelado e eu não passava de uma personificação de sobrevivência. Eu girei meu corpo e acertei seu cotovelo com um violento e brutal chute. Acima do grito agonizante de Lucas eu podia ouvir o estalar dos ossos ali, conforme seu antebraço dobrava-se em um agourento ângulo de 180°.

Sem um único lamento eu corri sem lhe dar um único olhar de despedida. Em 15 longas passadas de pernas eu já havia ultrapassado a mesa e agarrado a maçaneta da porta. Não esteja trancada, eu clamei. E com um girar eufórico eu estava livre. A porta se abriu facilmente deslizando para dentro e revelando-me a sombria floresta que me aguardava, completamente iluminada pela Lua. Lua cheia.

Meus pés descalços mal tocaram o desconfortável e áspero cascalho que cobria a entrada da cabana e logo meu corpo fora coberto por um incêndio ardente. Não era como aquele provocado por Lucas. Nada ali era agradável ou proporcionava o mínimo de prazer. Era como um incêndio que irrompia em meu centro e expandia-se por meu corpo, incinerando cada órgão, artéria, osso e célula. Meus membros arderam como se estivessem sido retorcidos em posições grotescas.

Um grito histérico de agonia rasgou minha garganta e ecoou pelo ar enquanto eu caia de joelhos sobre o cascalho duro que perfurava minha pele. Lágrimas fumegantes escorreram de meus olhos enquanto eu queimava e me revirava em uma dor pura e total. O fogo me consumia e logo, constatei amargamente, eu viraria cinzas. De dentro pra fora, era assim que eu acabaria.

Atormentada, ergui meus olhos para o céu e quando minhas retinas localizaram a lua cheia e brilhante como o sol, o fogo de algum modo se intensificou. Minha pele ardeu enquanto os raios do luar me banhavam. Eu sentia minha pele esticar-se sobre os ossos latejantes, como que puxadas magneticamente pelo luar. Meu corpo estava prestes a se rasgar... Abrir-se em uma fenda sangrenta por onde a fera poderia passar.

“Fuja! Saia daí! Volte!” as palavras pulsaram dolorosamente em meu cérebro. E entre gritos de dor eu arrastei minha carcaça condenada para dentro da cabana maldita. Com um chute a porta estava novamente fechada e eu estava caída de barriga para baixo no chão, ofegante. A dor ainda persistia, mas o incêndio recuara para a forma de uma chama que queimava somente em meu peito.

Um riso rouco ecoou pelo aposento. Meus olhos exaustos ergueram-se para avistar a forma musculosa de Lucas ajoelhado ao chão, o rosto sujo de sangue assim como seus cabelos já que meu ultimo golpe havia aberto uma ferida em sua cabeça. Seu cotovelo ainda estava torcido grotescamente, e seu rosto revelava em meio aquela fúria descontraída que ainda doía. Em um conjunto de movimentos secos e duros e sons agourentos de ossos se torcendo ele colocou seu cotovelo no lugar e sorriu para mim vitoriosamente enquanto levantava-se.

- Como foi o passeio? – disse asperamente enquanto eu fechava meus olhos para a torrente de lágrimas e soluços que estavam prestes a irromper – aproveitou a noite de luar?

Outro riso que ardeu em meus ouvidos. Ouvi seus passos, aproximando-se com a lentidão de um vencedor.

- A lua minha amada, como hoje aprendera, não é a nossa mestra como as lendas dizem, no entanto ela é a chave que destranca a fera. A primeira lua cheia após ser marcada, é esta que despertara o poder cravado em você pela fera que lhe marcou – sua voz era profunda e sóbria. Como um poeta a recitar sonetos sensuais a uma amante – No entanto não deves temer este presente, pois ele só ira lhe ferir caso o rejeite.

Eu o senti ao meu lado, o senti se ajoelhando e estendendo as mãos para acariciar os cachos de meus cabelos.

- Se não aceitar e abraçar o presente que lhe fora dado, ai sim será amaldiçoada – meus olhos se abriram curiosos e encontraram os seus – Estará condenada a queimar sob toda a lua cheia, como está agora. Talvez até pior.

Meu coração afundou-se em um abismo de exausto desespero. No fim não havia escolha. Era morrer lentamente em agonia, ou matar até ser morta um dia.

- Como... – minha voz não passava de um sussurro.

- Precisas alimentar sua fera. Precisas dar um sacrifício a ela, para selar a simbiose entre vocês. Precisa atraí-la para fora de sua toca – seus dedos tocaram meu coração onde a chama continuava persistentemente a queimar, podia sentir as primeiras lascas dos ossos de minhas costelas se partirem.

- Não... Eu não... – eu estava pronto para negar, para rejeitar qualquer opção, no entanto eu estava entendo mal, eu não tinha opção. Ele não me daria.

Suas mãos fortes me agarraram pelos ombros e me puxaram bruscamente do chão, me pondo de pé a sua frente. Meus joelhos falharam e eu teria caído novamente ao chão se ele não estivesse me segurando com firmeza. Ele me puxou para si, no que deveria ter sido um abraço. Senti seu rosto mergulhar em meus cabelos e ele inspirar profundamente conforme suas mãos deslizavam por minha coluna e tudo o que eu podia pensar era em como seu sangue cheirava bem. Eu nunca havia sentido cheiro de sangue, eu era humana e não conseguia, mas agora... Era impossível ignorar o aroma que estava grudado em seu cabelo.

Ele me afastou dele e novamente seus olhos eram um mar sombrio e quente de paixão e ansiedade.

- Eu não serei como você... – eu rosnei fracamente sem forças sequer para desviar o olhar.

- Não... Você não é como eu, ainda – e seu rosto irradiou-se presunçosamente.

- Eu não vou... Não vou alimentar a fera – disse teimosamente.

Ele ignorou minhas palavras e me virou de modo que eu ficasse de frente para a mesa onde algo volumoso havia sido posto coberto por um lençol. Ele me empurrou sem o habitual cuidado de modo que eu ficasse de frente para a mesa, com apenas meio metro de distancia. Suas mãos pesadas pousaram em meus quadris enquanto ele curvava-se para sussurrar em minha orelha.

- O curioso minha amada Luana, é que não há escolha. Uma vez o aroma da refeição em sua mente nada mais importa ou existe. E uma vez a fera alimentada não há volta.

Ele se afastou de mim e contornou a mesa, parando do outro lado, de frente para mim. Um sorriso malicioso e um olhar sombrio estampados em seu rosto. Vi suas mãos agarrarem o lençol e o puxarem bruscamente revelando o que o tecido escondia. Um gemido de horror enroscou-se em minha garganta.

Ali, estirada sobre a mesa, encolhida em uma posição fetal estava uma velha. Uma velha humana, com sua pele enrugada e flácida e manchas do sol cobrindo seus braços e mãos. Era rechonchuda principalmente na região da cintura. Seus cabelos grisalhos eram desgrenhados e secos sem brilho algum. Havia um enorme roxo em sua testa, do formato de um punho, e seu pescoço também carregava escoriações. Estava vestindo as típicas vestes de uma vovó. Um vestido reto e florido costurado um século atrás. Seu cheiro de flores secas, talco e mofo era desagradável.

Eu olhei exasperada para Lucas. Não, eu pensei, nem de longe isto será meu jantar.

 

 

Continue --->

Tópico: Lobo Mal - Parte 4

Não foram encontrados comentários.

Novo comentário