Maníaco 15
Passos trôpegos e desorientados, eufóricos por uma promessa quente de lábios gentis e olhos doces, capazes de derreter o mar gélido que era minha determinação a prender-me as leis da sociedade, mantendo-me pura diante a moralidade. Velas em abundancia, champagne espumante e uma cama banhada por pétalas da mais carmim das rosas. Motivos que entorpecem minha mente e me arrastam para longe dos salões onde o baile desenrola-se na tradicional procissão de danças, risos e conversas. Conversas que minha figura ocupa, danças onde eu devia estar rodopiando com algum charmoso acompanhante e risos que eu deveria acompanhar com o mesmo entusiasmo alienado. Este baile é sobre meus 15 anos.
Mas como rir quando minha atenção é toda voltada para a sentida ausência de um único cavalheiro? Como falar quando só posso pensar e imaginá-lo? Como dançar quando meus pés só querem segui-los, e meus braços acolhe-lo?
Esses eram os meus pensamentos aquela noite.
Passos trôpegos e um coração palpitante de um pardal eufórico me levaram para alem das portas duplas de carvalho, da escadaria de mármore, do hall elegante direto ao jardim solitário e escuro coberto pelo peculiar manto sombrio da noite, que nunca me pareceu tão romântico.
Meus olhos fuzilaram cada recanto, vasculharam cada ramo, meus ouvidos captaram cada silvo, zumbido e cantar das cigarras no seco ar. Mas meus ouvidos, olhos e até mesmo olfato eram meramente jovens e ansiosos por demais. Ele era silencioso e paciente. E aquela noite tratou de vestir sua melhor capa para encenar a personagem da noite. Tão talentoso que era meu amor. Aquela noite ele resolvera presentear-me. Escrevera em minha honra uma peça impecável e diante de mim, em surpresa, resolveu encená-la sem ensaios ou improviso. O enredo estava de tal modo enraizado em sua mente que era fácil relembrar cada marcação, cada golpe e riso, onde beijar e que local rasgar. A faca era linda, a lâmina tingida cintilando no ar enquanto ela rodeava-me com lábios carmins e olhos famintos. Tão talentoso era meu amor que para não prejudicar a cena não me dera falas, mantendo-me livre para improvisar. Eu não era tão talentosa, doeu-me notar, minhas marcações eram atrasadas meus gritos baixos e suplicas piegas. Mas ele era talentoso, e minha patética encenação não prejudicou sua peça que acabou magistralmente com um golpe fatal em meu ventre maculado que subiu por meu corpo em uma ebulição de emoção e enorme comoção de minha parte. Meu amor era talentoso e seu presente inusitado fora dado com perfeição. Sem chances de troca muito menos rejeição.
O escuro me engoliu, a morte satisfeita pela sua nova aquisição. Mas minhas lagrimas foram ácidas, meus gritos ensandecidos ensurdecedores e minha fúria uma labareda incontrolável e incandescente de puro ódio explosivo. A morte não gostou deste sabor venenoso que se impregnava e apodrecia minha alma. E em uma indigestão ruidosa e ela me cuspiu para o mundo entre engasgos e insultos.
Doeu. Mais do que ter a inocência tomada ou o corpo perfurado. Doeu mais do que a traição e o choque somados. Tomar uma vida lacerou-me a consciência e sujou minha alma e enquanto eu mergulhava profundamente em um corpo alheio meu hospedeiro me queimava em ódio e pavor. Levou horas para calá-lo e por fim dominá-lo e dias para de uma vez supri-lo daquele corpo estranho que agora me pertenceria para só em seguida perder semanas atrás de meu amor.
Eles o chamavam de “Maníaco 15” devido a sua inclinação por crianças puras e suas festas de boas vindas à sociedade. Ele as envolvia de caricias morais, elogiando suas feições e modos, proferindo as mais poéticas declarações de um mágico e relâmpago amor. Elas sorriam em ingenuidade e se irradiavam com a promessa de velas, champagne e uma cama de rosas em seu 15º aniversario. Elas acenavam obediente e apaixonadamente. Elas concordavam em abandonar o baile onde debutariam para encontrá-lo em meio aos românticos becos onde juntos fugiriam ao mágico ninho onde se uniriam. Meu amor não era desonesto. Ele era em seu todo puramente sincero. As noticias que horrorizavam as ruas comprovavam sua honestidade, narrando como os corpos eram encontrados em motéis decadentes sobre lençóis escarlates rodeados de restos de cera que horas atrás eram velas, tendo partes de seus corpos laceradas e perdidas. As marcas de dentes e ausência de carne, membros e por vezes órgãos confirmavam que sua promessa havia sido comprida. No fim, ele se unia a todas, mantendo parte delas em seu intimo eternamente. Eu estava lá em algum lugar...
Achá-lo não me trouxe muito trabalho graças à arrogância vaidosa da alta sociedade da cidade que anunciava em todas as vias de comunicação o grande baile realizado em homenagem a filha do prefeito e seus 15 anos, onde ninguém com menos de 500 mil no banco estavam convidado. Entrar foi um pequeno empecilho que um punhal no estomago de um segurança me poupou perder preciosas horas.
Meus passos eram firmes e ansiosos. Meus olhos febris perfuravam a grande massa de seda, ternos, brilho e requinte. Meus ouvidos filtravam o zumbido de vozes afetadas e estridentes por vezes graves e entediadas. Meu olfato farejava por cima daquele aroma de álcool, suor humano e perfumes caros. Nada. Meu amor era muito talentoso. E eu pude sentir que estava atrasada. Na havia jardim. Não havia beco. Não havia sacada. Mas havia quartos... eu corri até o ninho de meu amor. Eu o afastei de sua amada gélida e me joguei em seus braços. Eu o envolvi nos meus em um aperto sufocante enquanto meus dedos selavam sua garganta. Eu tomei seus lábios, em um beijo carmim úmido pelo sangue. Eu não podia tomar sua inocência já perdida, mas eu o abri, eu o escavei atrás de mim. Eu queria de volta. Quis minha inocência, minha vida e meu corpo, mas nada achei alem de podres entranhas e um coração oco.
Meu amor era talentoso, e a peça era de sua autoria. Eu só podia improvisar, e sem roteiro deitei-o sobre lençóis carmins e acendi as velas que tanto me prometera. Elas queimaram os corpos dos amantes como em um final dramático e perfeito, unindo-os para sempre em uma nevoa de cinzas. Eternamente, como prometido.
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