Lobo Mal

30-12-2010 02:06

 

 

A textura macia de seus cabelos encaracolados deslizava por meus dedos que se enroscavam em seus cachos conforme me mantinha agarrada ao seu corpo, ciente de sua imobilidade e frieza. Por mais que a verdade me rondasse como um coiote, pronta para me devorar a sanidade e esperança que me matinha teimosamente fixa em meu status de estúpida ignorância, lancei mão de minha imaginação para amenizar a dor que me assaltava em forma de soluços e lamúrias. Minhas mãos trêmulas acariciavam seus cabelos enquanto eu embalava seu corpo em um abraço angustiado e necessitado. Ignorando o cheiro seco do sangue que se grudava em suas mechas e manchava sua pele onde outrora um córrego escarlate havia transbordado para fora de sua boca, eu me mantive presa a ela, minha bóia que impedia que me afogasse no desespero que ardia em meus olhos e transbordava salgadamente de mim.

Sentir o silêncio do corpo de minha irmã me proporcionava uma angustia palpável que logo me faria engasgar e ofegar, travando-se em minha garganta e impedindo-me de respirar, e por fim me mataria. Mantive-me estática em expectativa, ansiando. Meu pulsar ecoava pelo ambiente, forte e selvagem como só monstros como eu conseguem pulsar. Eu odiava aquele som, eu ansiava pelo seu silêncio. Queria que meu coração se calasse assim como o de minha gêmea havia sido forçado a fazer. Mas só havia um meio de pará-lo. Só havia um ser capaz de calá-lo.

Meu corpo estremeceu-se violentamente enquanto a imagem de suas presas rasgava minhas retinas. Aquele par de olhos amarelos e animalescos... Inspirei forte para soltar um choro de desespero e o cheiro asqueroso de seu hálito me sujou as narinas. Esfreguei meu rosto nos cachos de minha irmã a fim de me afastar daquele odor enlouquecedor com o cheiro doce e amadeirado dela. Meu coração se retorceu ao sentir o cheiro dele impregnado no corpo dela. Minhas mãos apertaram a pele macia e frágil de minha irmã conforme o calor indignado revirava-se em meu interior rasgando caminho por minha garganta.

Eu cerrei os dentes pressionando minha testa na bochecha pálida e fria de minha falecida amada, limpando sua pele maculada com minhas amargas lágrimas. Deus por que assim?...Deus por que ela?...Deus por que eu?... Eram apenas perguntas tremulas que tilintavam em minha mente descrente, perguntas das quais eu sabia que não receberia resposta.

Afastei-me relutante do rosto doce e belo de minha irmã, tentando ao máximo não me afetar e enlouquecer com as fartas manchas de sangue que lhe cobriam a pele alva. Mas era um milagre impossível de ser alcançado conforme meus olhos se arrastavam para a cratera que se abria no pescoço de minha irmã, revelando carne revirada, ossos quebrados e tudo o mais que se deseja jamais ver. Um buraco seco e sem vida. O buraco por onde a vida de minha irmã escorreu para nunca mais retornar. O buraco de onde o odor fétido de seu assassino exalava morbidamente.

O vento, solidário, veio me acariciar afagando meus ombros com gentileza e paciência, trazendo delicadamente o aviso. Meu tempo acabara. Hora de se despedir e partir.

Agarrei-me ainda mais em minha irmã, enfurnando meu rosto no caos de caracóis que era seu cabelo ruivo, lamentando pelo frio que ali encontrei onde outrora somente calor e vida emanavam. Ela já não era mais meu espelho. Haviam transformado-a em uma imagem de meu futuro. Eu a encarei como se me visse naquele estado. Uma parte de mim estremeceu em desejo, ansiando por uma ferida do mesmo tamanho tragando-me para a inexistência. A minha outra metade ardeu em indignação, inundando-me de culpa e remorso.

“Ela insistiria. Ela viveria. Ela não se mataria” foram às palavras que flutuaram em meus neurônios deprimidos. A censura impregnada em cada letra. A ordem transbordando de cada sentença.

 Tremendo pelos soluços afastei meus dedos rígidos e doloridos dos cachos macios e mortos de minha gêmea. Com delicadeza e dor eu pousei o corpo morto de minha irmã sobre a terra do quintal em que a encontrara ainda rodeada pelas pegadas e sangue. Com relutância e desconforto me ergui vacilante forçando meus olhos enxergarem somente um corpo vazio, um tronco oco e frio para justificar o abandono que eu estava prestes a cometer.

O vento voltou a me lamber, mais urgente trazendo consigo o aviso. Ele esta se aproximando, era o que o odor que pairava no ar me dizia. Uma parte de mim odiava deixar minha irmã a mercê dele. Mas a outra aliviou a realidade confortando-me em me mostrar que aquele cadáver já não era minha irmã. Que aquele corpo já não guardava nada mais em si. Eram apenas carne e ossos, que o distrairiam na melhor das hipóteses. Que me daria à chance de fugir, de viver. Um uivo correu pelo ar e respondendo aquele chamado eu fugi na direção oposta ao som.

 

 

 

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Tópico: Lobo Mal

Lobo Mal

Data: 09-01-2011 | De: Kiss

Nossa... Eu tô chorando aqui. Impressionante como você consegue escrever bem tanto o terror, quanto um drama, uma cena triste como essa. Imagino bem a tristeza dele de ter que abandonar o corpo da irmã ali pra ter de fugir... Nossa! Ansiosa pra ler o próimo, meus parabéns!!!! Nha, adorei a capa!! =)

Re:Lobo Mal

Data: 22-01-2011 | De: Gabi ( a dona do pedaço)

Fico feliz que minha escrita melancolica tenha provocado alguma lagrima,rs. Estamos aqui para isso, puro e simples entretenimento ;D

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